sábado, 4 de março de 2017

AS GRANDES IMAGENS DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO NO LIVRO JESUS DE NAZARÉ DE JOSEPH RATZINGER

AS GRANDES IMAGENS DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO NO LIVRO
JESUS DE NAZARÉ DE JOSEPH RATZINGER

JAQUELINE BALTHAZAR SILVA



ÁGUA

            Origem da vida. Simboliza também a origem da humanidade. Pode aparecer de diversas formas para o homem e em diversos sentidos.

Fonte: água fresca que brota do interior da terra. Fonte é princípio em sua límpida e imaculada pureza. A fonte é o elemento criador, símbolo de fecundidade e maternidade.

Rio: grandes correntes são doadoras de vida (Nilo, Eufrates, Tigre). Em Israel o rio Jordão representa e oferece a vida ao país. No Batismo de Jesus a profundidade do rio representa também o perigo. Mergulhar na profundidade significa a morte e a emersão o renascimento.Por isso no batismo morremos para o pecado e renascemos em Cristo.

Mar: majestoso e admirável por sua potência; temido. É o espaço vital do homem. Deus marcou os limites da terra com o mar. O mar não deve ultrapassar os seus limites. A passagem pelo mar vermelho representa a redenção para o povo de Israel e uma ameaça fatal para os egípcios.
            No Batismo a passagem pelo mar vermelho é primeiramente representada como a morte, é um prenúncio da imagem do mistério da cruz. O homem, para renascer, precisa entrar com Cristo no mar vermelho; mergulhar com Ele na morte para só então alcançar uma nova vida com o ressuscitado.

Simbolismo histórico-religioso no Evangelho de João: percorre o evangelho do princípio ao fim.

Conversa com Nicodemos (cap. 3): o homem deve renascer da água e do espírito para entrar no Reino de Deus; Deve tornar-se outro.

Batismo – entrada na comunidade de Cristo; renascimento; analogia ao nascimento natural. Se o nascimento natural acontece a partir da fecundação masculina e concepção feminina, no batismo o duplo princípio se dá entre o espírito divino e a água.

O renascimento se dá pelo poder criados do Espírito de Deus. Espírito e água; céu e terra; Cristo e Igreja estão intimamente relacionados – assim acontece o renascimento. A água está no sacramento pela terra, pela Igreja que acolhe em si a criação e a representa.

Jesus no poço de Jacó (cap.4): Jesus promete à samaritana água viva. O simbolismo do poço representa a história da salvação do povo de Israel. Desde a revelação de Natanael Jesus já tinha sido revelado como o novo Jacó. Jacó é o antepassado que ofereceu o poço como elemento fundamental da vida. Porém o homem possui uma seda ainda maior do que da água da fonte. Procura uma vida para além da esfera biológica. A promessa da nova água corresponde à outra dimensão de vida. São João distingue bios de zoe, ou seja, enquanto a samaritana fala da água física Jesus fala da água do espírito (o pneuma) que gera a vida e sacia a sede mais profunda.

Capítulo 5: a água aparece só de passagem. A história do homem na piscina de Betsaida. Esse homem estava doente havia 38 anos. Acreditava que se entrasse na piscina ficaria curado. Jesus o cura pelo Seu poder. Jesus é a água viva.

Capítulo 7: Jesus está na festa dos Tabernáculos no rito solene de aspersão da água.

Capítulo 9: Jesus cura o cego de nascença. Para que o processo de cura se dê por inteiro é necessário que o cego se lave na piscina de Siloé. A palavra Siloé quer dizer “o enviado”. Só depois de lavado que ele alcança a visão. A representação da piscina quer dizer que Jesus é o enviado, por isso a razão autêntica do milagre. É em Jesus e por Jesus que o cego é purificado e só por Jesus recupera a visão. O capítulo nos revela a explicação do batismo que significa que Cristo nos concede a luz e nos permite ver por meio do sacramento (sinal).

Capítulo 13: última ceia – lava-pés. Revela a humildade de Jesus que se fez escravo dos seus discípulos; o lava-pés é purificador, torna os homens capazes de se sentar à mesa de Deus;

Na paixão: a água aparece de modo misterioso. O soldado perfura-lhe o lado e jorra água e sangue. Representa os dois sacramentos fundamentais da igreja: Batismo (água) e Eucaristia (sangue) que brotam do coração aberto de Cristo.

Na primeira Carta de João: imprime um rumo diferente: Jesus Cristo veio pela água e pelo sangue e pelo Espírito. Até então se entendia e reconhecia o batismo de Jesus como acontecimento de salvação. João polemiza ao transportar esse batismo para a sua morte na cruz. Assim água e sangue se unem pelo Espírito.


Festa dos tabernáculos (vs 37 – 39): Jesus levanta-se, no último dia da festa, e diz: quem tiver sede venha a mim e beba, do seu interior correrão correntes de água viva. O rito da festa consistia em se tirar a água da piscina de Siloé para levá-la ao Templo no sétimo dia. No sétimo dia os sacerdotes davam sete voltas em torno do altar com a água em um vaso dourado antes de fazer a aspersão. A festa tem origem nas religiões da natureza, era, antes, uma oração de súplica pela chuva. Mais tarde tornou-se uma recordação histórico-salvífica da água que Deus tinha dado aos judeus durante sua peregrinação pelo deserto.

Água que brota do rochedo: tema de esperança messiânica. Moisés tinha dado ao povo o pão do céu e a água do rochedo. Israel esperava o novo Moisés, o Messias. São Paulo escreve em sua primeira carta aos Coríntios que todos comeram e beberam o alimento e a bebida do espírito da rocha que era o próprio Cristo. Jesus se proclama o novo Moisés, a rocha viva que dá vida. Jesus se revela como a água viva que mata a sede profunda – sede de viva plena – saciada no interior do espírito.

Do seu corpo jorrarão torrentes de água viva. Várias interpretações foram feitas sobre o Corpo de quem a Escritura estaria falando. Uma corrente entende que todo homem que acredita se torna, ele mesmo essa fonte de água viva (tradição alexandrina de Orígenes – São Jerônimo e Agostinho); outra, a tradição da Ásia Menor entende que esse “corpo” é o próprio corpo de Cristo. Só ele é a fonte, a rocha viva da qual brota a água nova. Essa tradição está mais próxima de São João e tem como seguidores S. Justino, Sto Irineu, Sto Hipólito, S. Cipriano, Sto Efrem.

            A primeira interpretação é mais próxima dos Santos Padres e dos grandes exegetas do ponto de vista lingüístico, porém, no ponto de vista de conteúdo é mais próxima da segunda. Por isso é provável que João falasse do corpo de Cristo, embora não se exclua a possibilidade de estar implícito também aqueles que aderem a Ele porque tornam-se um com Ele. Ratzinger não exclui nem uma nem outra interpretação. Como João sempre foi ambíguo não se pode deixar de pensar que aqui também o tenha sido.


VIDEIRA e VINHO

            Assim como a água é um elemento fundamental para a vida, o trigo, o vinho e o azeite fazem parte da cultura do mediterrâneo. O pão é o fruto da terra o vinho alegra o coração e o azeite dá brilho ao rosto. Ao lado da água os dons da terra tornam-se sacramentais da Igreja. Os frutos da criação são sinais da ação histórica de Deus nos quais nos oferece sua proximidade.

            O pão é feito com a água e com o azeite, frutos da terra, mas, precisam do elemento fogo que representa o trabalho humano. O vinho corporiza a festa. Permite ao homem sentir a glória da criação. Por isso pertence aos rituais do sábado, da Páscoa, das núpcias – pressentimento de festa definitiva entre Deus e a humanidade.


O milagre de Caná

Qual o sentido de Jesus ter arranjado tamanha fartura de vinho? (520 litros)

Não se trata de luxo privado e sim de algo muito maior. É importante observar que o evangelista menciona que no terceiro dia houve uma boda em Cana da Galiléia. Essa informação é a chave de leitura para o acontecimento. No antigo testamento o terceiro dia representa a teofania: ex – Encontro de Deus e Israel no Sinai, prenúncio da teofania decisiva na história.  A ressurreição de Cristo é a irrupção definitiva de Deus sobre a terra.
Quando Jesus diz que a sua hora não chegou pode-se compreender que ele não atua por si só mas pela vontade do Pai. A glória de Jesus não começa ali, mas em conjunto com a cruz e a ressurreição. O milagre de Cana é uma antecipação da hora da glorificação. O acontecimento de Cana é um sinal de Deus sobre a superabundância. Representa a boda de Deus com o seu povo. Jesus é o noivo.
Para entendermos a profundidade cristológica das bodas de Cana precisamos ter presente que a água serve para os rituais de purificação, ao se transformar em vinho torna-se sinal de alegria. A purificação ritual permanece, porém, pelo vinho o dom de Deus oferece-se a nós e se torna na festa da alegria.

           Costuma-se fazer um paralelo entre as bodas de Caná e o mito de Dionísio, o deus que descobriu a videira. Filon de Alexandria deu um novo sentido à história. O verdadeiro doador do vinho é o logos divino. Ele é que nos dispensa a alegria, a doçura, o contentamento do verdadeiro vinho. Filon fixa essa teologia do logos histórico-salvificante em Melquisedec que ofereceu a Abraão pão e vinho. Ele nos oferece os dons essenciais para a existência humana (o logos aparece como o sacerdote de uma liturgia cósmica).

            É pouco provável que João tenha pensado nessa teologia, porém, o próprio Jesus quando explica sua missão chama a atenção para o salmo 110(109) que fala sobre o sacerdócio de Melquisedec (cf Mc 12,35-37). A Carta aos Hebreus também é muito próxima de João e, portanto, para João Jesus é o logos, o Senhor que nos dá o pão e o vinho.


Capítulo 15

            Jesus agarra-se no contexto dos discursos de despedida que estava na antiga tradição. Por isso é preciso considerar um trecho do Antigo Testamento para melhor compreender essa tradição. Em Isaías 5, 1-7 encontramos o cântico à videira, provavelmente tenha sido cantado na festa dos tabernáculos. A vinha era a imagem de uma noiva. O cântico começa falando do amigo que plantou uma videira de boa qualidade em um terreno muito fértil e fez de tudo o possível para seu crescimento. Na sequência o tom do canto fica triste. A vinha não produz frutos bons, apenas algumas uvas verdes intragáveis – isso quer dizer que a noiva foi infiel, desiludiu a confiança, a esperança e o amor que o amigo esperava. Logo o amigo abandona a vinha ao saque, atira a noiva para a condição de solteira que ela mesma se atribui.
            Explicando: a vinha é a noiva, a noiva é Israel – são os ali presentes diante dos quais Deus ofereceu na Tora o caminho correto. Deus fez tudo e como resposta recebeu a transgressão da lei e um regime ilegítimo. A história acaba com o abandono de Israel por Deus. O salmo 80 descreve Como Deus fez para salvá-los do Egito e depois os abandona para serem saqueados, é uma salmo de lamentação que se transforma em um pedido para que Deus cuide de sua vinha, que restaure-lhes, que o rosto do Senhor brilhe para eles para que sejam salvos (Sl 80, 16-20).
            Jesus vivia esse clima de mudanças históricas que aconteceram desde o exílio e via que, no fundo, a situação não havia mudado e isso falou ao seu coração. Em outra parábola contada pouco antes de sua paixão Jesus toma de Isaías a imagem da vinha, essa contada em Mc 12, 1-12. A vinha é a imagem de Israel representada nos rendeiros cujo dono partiu em uma viagem e que mesmo estando longe exige os frutos devidos. A história do sempre renovado esforço de Deus para com Israel é representada na sequência de servos que foram enviados em nome do Senhor para buscarem os frutos devidos. Isso nos remete a história dos profetas que foram enviados, seus sofrimentos e a inutilidade de seus esforços que, na narrativa dos rendeiros, acabam sendo assassinados. E, por fim, o proprietário envia seu próprio filho amado, o herdeiro e os rendeiros o matam para poderem ficar com a vinha para eles. O que o dono da vinha faz? Jesus retoma para o seu tempo e explica que assim como os profetas foram maltratadas e mortos ele também o será.
            Trazendo para o nosso tempo podemos perceber que a modernidade fez a mesma coisa, declarou Deus como morto e quis ser ela mesma o próprio Deus. Somos os senhores do mundo, não pertencemos a nenhum outro senhor que não nós mesmos. Abolimos Deus das nossas vidas, nós somos a medida das coisas. A vinha é nossa. O que acontece com o homem e com o mundo?

            Em Isaías não era possível ver a promessa, no salmo diante da ameaça o sofrimento transforma-se em oração. Assim foi a situação de Israel, é a situação da Igreja e de toda a humanidade. Vivemos na obscuridade das provações e clamamos por Deus. Jesus nos responde que precisamos cuidar da vinha porque do contrário o senhor virá tirá-la de você. Jesus diz que ele é o filho que será morto e que será a partir dele, morto e ressuscitado que Deus levantará no mundo uma nova construção, um novo Templo. A imagem da vinha será abandonada para surgir uma nova imagem, a construção viva d Deus. O poema da vinha não termina com a morte do filho, abre o horizonte para uma nova ação de Deus. Deus permanece fiel sempre, apesar da nossa infidelidade.

            A parábola da videira no discurso de despedida de Jesus permeia toda a história do pensamento e do discurso bíblico que leva a profunda verdade de Jesus: “Eu sou a verdadeira videira”. Jesus deixou-se plantar na terra pelo mistério da encarnação. No filho o próprio pai se tornou videira e essa videira não poderá ser arrancada nunca mais. Esse é o novo grande passo da história da salvação: na encarnação, morte e ressurreição Jesus realizou em si o Sim a tudo o que Deus prometeu.
           
            Desse modo, sendo ele a videira, une-se a nós e nós nos unimos a Ele. Unidos a ele estaremos unidos ao Pai. Embora a vinha não possa mais ser arrancada, saqueada, precisa de purificação, para isso somos chamados a estar em e a estar com o Filho na videira. A purificação visa o fruto: justiça, retidão pautadas na vontade e na palavra de Deus. A parábola da videira aparece no contexto da Última Ceia, depois da multiplicação dos pães. Jesus já havia falado do pão do céu – pré-significação do pão eucarístico. Permanecer na videira é perseverar apesar das dificuldades, o bom vinho nasce da perseverança. O fruto que devemos produzir é o amor e o amor procede de Deus, por isso, precisamos permanecer em Deus para mantermos a unidade.


PÃO

            Jesus se torna o pão para a vida, por isso não aceitou a tentação do demônio de transformar pedra em pão. Ele mesmo é o pão da vida. A multiplicação dos pães torna-se o sinal da missão messiânica de Jesus, mas torna-se também o seu caminho para a cruz.
            O contexto principal da multiplicação dos pães coloca o contraste entre Moisés e Jesus. Logo após a multiplicação e pouco antes de ser proclamado rei João apresenta a seguinte frase: “Esse é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo” (Jo 6,14). Moisés tinha oferecido o maná, o pão do céu que alimentou o povo peregrino. Moisés falava com Deus e trazia aos homens a palavra de Deus, porém nem mesmo Moisés viu o rosto de Deus. Jesus é o único que viu a face de Deus porque ele é Deus. Por isso João coloca esse contraste entre Moisés e Jesus. Jesus fala a partir da visão do Pai. Moisés era o mediador entre Deus e os homens. Os dons de Moisés encontram em Cristo sua forma definitiva. Por isso o povo tinha em Moisés a autêntica distinção de Israel que era conhecer a vontade de Deus e o caminho correto para a vida. Assim o povo de Israel compreendia que o verdadeiro alimento que levava a Deus era a lei de Deus. Jesus queria mostrar aos judeus reunidos na sinagoga que a multiplicação dos pães era um sinal de salvação espiritual, porém o povo só entendeu como salvação material, assim como o maná, o pão é alimento terreno, o povo terá sempre fome de um algo a mais que está em outro plano. A Tora é o alimento que vem de Deus, mas só mostra as costas de Deus como mostrou a Moisés. Jesus, por outro lado, é o pão vivo descido do céu que dá vida ao mundo (Jo 6,33). Os ouvintes da sinagoga não compreenderam isso e Jesus precisou ser mais claro: “Eu sou o pão da vida, quem vem a mim nunca mais terá fome e quem acredita em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).
            A Lei tornou-se a própria pessoa de Cristo e por isso, nos alimentamos do próprio Deus vivo, o pão do céu. Deus se torna pão para nós primeiramente na encarnação do logos: a palavra se fez carne, torna-se um de nós e assim se torna acessível a nós. Jesus diz que sua carne é vida para o mundo.
            A teologia da encarnação e a teologia da cruz são inseparáveis. No discurso de Jesus sobre o pão vemos o movimento da encarnação ao caminho pascal que é orientado para o sacramento. João quer mostrar desde o prólogo que o fim último é a oblação do corpo de Jesus na cruz, Jesus torna-se homem e se doa em sacrifício no lugar dos animais que eram usados como cordeiro. Ele agora é o verdadeiro e único Cordeiro de Deus. No discurso sobre o pão da vida encarnação e Páscoa são praticamente a mesma coisa, são simultâneas assim como o sacramento da eucaristia é o maná que a humanidade aguarda, a eucaristia é o grande encontro do homem com Deus no qual o Senhor se dá em carne para que nos tornemos com ele espírito penetrados em Deus, uma nova humanidade. Esse alimento é a abertura para uma nova passagem: pela cruz antecipa-se uma nova existência da vida em Deus e com Deus.
            Ao final do discurso sobre o comer e beber a carne e o sangue está escrito: “O Espírito é que dá a vida, a carne não serve para nada”. Recordando as palavras de Paulo: o primeiro Adão era uma alma viva o último Adão tornou-se o Espírito que dá a vida (1Cor 15,45). Sublinha-se a perspectiva do sacramento: por meio da cruz e da transformação a carne se torna acessível ao processo de transformação cristológica e cósmica.

            Em João a narrativa do Domingo de Ramos está na perspectiva da Igreja universal que inclui judeus e gregos num só povo. No pão está todo o mistério da paixão: “Se o grão de trigo não for lançado à terra e não morrer, permanece só, mas, se morrer, produz muito fruto” (Jo 12,24). O pão pressupõe que a semente seja lançada à terra para que nasça a espiga. O pão terreno pode ser portador da presença de Cristo porque leva em si mesmo o mistério da paixão, pois une em si morte e ressurreição.
            Nosso Deus é real. Jesus viveu de fato num tempo e num espaço geográfico. Podemos encontrar relatos dessa existência real. Jesus morreu e ressuscitou de verdade, isso é histórico, não é mito.






PASTOR

            A imagem de Pastor traz a missão de Jesus através da história. Pastor era alguém instruído por Deus no Antigo Oriente (babilônico e assírio); apascentar representa a imagem de governar. O soberano justo é aquele que cuida dos fracos. Por isso a representação de Cristo como o bom Pastor é a representação do rei justo. Essa representação ilumina a realeza de Cristo.
            Já o Antigo Testamento utilizava-se dessa imagem em que o próprio Deus se apresenta como o pastor de Israel. Essa piedade é bem resumida no salmo 23. Ezequiel também representa a imagem do bom pastor quando diz que o próprio Deus buscará as suas ovelhas e as apascentará (Ez 34, 13. 15-16). Ao reunir-se à mesa com os pecadores Jesus conta a parábola das 99 ovelhas do curral e a única ovelha perdida. O bom pastor vai atrás da ovelha perdida e, ao encontrá-la, cheio de alegria a carrega em seus ombros. Jesus quer abrir os olhos de seus adversários para a passagem de Ezequiel e diz que Ele, Jesus, só faz aquilo que Deus, como verdadeiro pastor anunciou: procurar a ovelha perdida e trazê-la de volta para o rebanho.

            Há uma mudança surpreendente da imagem do pastor no livro de Zacarias 13,7 que diz que o pastor será ferido e as ovelhas dispersas (Mt 26,31). Essa passagem quer dizer que o pastor suporta a morte e introduz a última virada. É a imagem do redentor. Representa também a imagem do filho de Davi que derramará a compaixão e a oração quando olharem para o transpassado. “naquele dia haverá um grande pranto em Jerusalém tão forte como o pranto sobre Adadremon na planície de Magedon... Naquele dia correrá para a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém uma fonte para a purificação dos pecados e de toda a impureza” (Zc 12,10.11; 13,1).
            João liga a profecia de Zacarias a Jesus como fonte para a purificação de todos os pecados e impurezas.
            Interessante é perceber que o discurso sobre o pastor começa com outra imagem: a imagem da porta do redil das ovelhas. Aquele que não entrar pela porta é ladrão.O verdadeiro bom pastor passa através de Jesus que é a porta. Jesus pede a Pedro que apascente suas ovelhas – Jesus o chama também de porta e Pedro precisa responder 3 vezes que ama Jesus para poder transpassar a porta e ser ele também o pastor.

Discurso do Pastor – cap. 10

            Quatro conteúdos essenciais são evidenciados: O ladrão que vem para roubar, matar e destruir; o verdadeiro pastor não tira a vida mas a dá; O homem vive da Palavra de Deus, da verdade e do fato de ser amado por Deus. O homem precisa de Deus. Em João o sentido de Jesus como pastor é que Jesus é a palavra encarnada que oferece a vida na medida em que se dá a si mesmo. Ele é a vida. (Jo 1,4; 3,36; 11,25).

Segundo motivo do discurso do bom pastor

            É essencial o entendimento do pastor que dá a vida por suas ovelhas. A cruz é uma livre oblação. “Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente” (Jo 10,17). Jesus transforma um ato de violência exterior num ato de liberdade.

Terceiro motivo do discurso

            O reconhecimento recíproco entre o pastor e o seu rebanho. Ele chamas suas ovelhas pelo nome e as conduz. As ovelhas O seguem porque reconhecem sua voz. Dois verbos são importantes aqui: conhecer e pertencer, estão entrelaçados entre si. A reciprocidade de conhecerem porque pertencem a Ele e Ele conhecê-las porque lhes pertencem. Conhecer pressupõe um acolhimento interior, vai além da posse material.
           
            Ex. nenhum homem pertence a outro homem do modo como as coisas lhes pertencem. Os filhos não são propriedade dos pais; Os filhos pertencem aos pais mas o são também igualmente livres criaturas de Deus. Não pertencem a Deus como pose mas como responsabilidade. Pertencem a Deus na medida em que aceitam a liberdade do outro reciprocamente. Desse modo, também as ovelhas pertencem ao pastor não como coisas. Aí está a diferença entre o verdadeiro pastor e o ladrão. O verdadeiro pastor dá provas de seu amor e as quer livres. Pertencem a ele pelo conhecimento e reconhecimento. O bom pastor conduz ao Pai.

Último grande motivo do discurso


            A unidade. O bom pastor deve reunir suas ovelhas para estar em unidade com o Pai.O pastor, que é Deus, reúne a todos num único povo. Fala das outras ovelhas que estão em outro redil. A promessa de um só pastor e um só rebanho. “Fazei de todas as nações meus discípulos” (Mt 28,19). A missão universal: um só pastor. Embora seja uma imagem pastoril é perfeitamente compreensível para o mundo urbano. Ele deu a vida por nós, ele é a vida.

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