Paira no ar uma sensação angustiante de que estou pagando por todos os erros sozinha. Observo à minha volta e percebo que todos os culpados já foram penalizados e já pagaram pelos seus pecados, mas, parece que os meus nunca estão pagos. Daí a gente fica sabendo de pessoas que cumpriram suas penas e retomaram suas vidas.
Quem é o juiz que me condena ad infinitum? Hoje entendi que sou eu mesma. Tal qual Hester Prynne adotei a Letra Escarlate e me penitenciei com tanto rigor como a própria personagem do livro.
Li esse livro há uns treze anos e sempre fiquei impressionada com a força e a garra daquela mulher. E, de algum modo, ainda que sem perceber, impus para mim o mesmo castigo que ela recebeu. Fui rigorosa e altamente obcecada por minha penitência que sabotei todas as possibilidades de ser feliz novamente - parece que algo em mim estava sempre me dizendo que eu não tinha esse direito.
Fui eu mesma quem executei a pena. Impus um sofrimento árduo e prolongado, como se estivesse estipulando uma pena de morte. Não haveria trégua nem refresco. Estava condenada à solidão, ao fracasso, ao cansaço e a morte. Porém, como tudo na vida pode dar uma reviravolta, acho que chegou o tempo da redenção e da quitação da dívida eterna.
Segundo a mitologia grega a fênix, fenice é um pássaro que entra em auto-combustão e, depois de um tempo renasce das próprias cinzas. Hoje estou me sentindo uma fênix em processo de combustão. Talvez possa levar alguns dias para que eu comece o processo de renascimento. Sinto-me consumida por uma dor intensa, porém com uma sensação de que até o final haverá um alívio tão profundo como respirar ar puro, a plenos pulmões - um pulmão recém-nascido. As dores no corpo parecem fluir para um ponto estratégico que termina em uma extremidade qualquer e depois escorre pelo ralo.
As dores de cabeça, estômago e rins parecem aliviar suave e lentamente. Há um aspecto diferente no ambiente. Estamos no período de outono e, lembro-me, então que no outono as folhas caem, animais trocam os pelos e as aves trocam as penas. No outono morre o velho para permitir que na primavera brote o novo. Dentro de mim, essa sensação me remete a essa mesma imagem. Eu sinto profundamente que estou morrendo para o velho para deixar nascer o novo em mim.
Numa outra história de ficção muito conhecida - Harry Potter, há um mago muito poderoso conhecido por Dumbledore. Segundo esse mago as lágrimas de fênix tem poder curativo. Então, talvez eu passe por um período me banhando nas lágrimas da fênix até que o processo de renascimento inicie, não faço ideia de quanto tempo pode demorar. A parte boa é saber que, uma vez restaurados todos os sistemas - principalmente o emocional, estarei pronta para uma vida nova, como se estivesse me permitindo nascer de novo, dar um reset e reconfigurar as os sistemas.
Há ainda outra história sobre a águia, que parece vir ao meu encontro nesse momento. Diz-se que as águias podem viver até 70 anos. Porém, para que ela consiga atingir essa idade, há um momento, na metade de sua vida, em que a águia precisa tomar uma difícil decisão. Ela deve decidir se vai morrer ou vai para um exílio longo. Nessa idade a águia está com as garras fracas, o bico torto e, se ela não quiser morrer ela sobe um morro bem alto e lá inicia-se um longo processo de transformação. Primeiro a águia bate o bico na pedra até que esse caia, isso faz com que outro bico novo possa crescer no lugar. Depois que o novo bico está pronto a águia arranca suas garras uma à uma. Novamente ela espera pacientemente até que nasçam as novas garras e, por fim, ela começa a arrancar todas as penas do corpo. Passado todo esse tempo a águia está totalmente transformada e pronta para viver a segunda metade de sua vida, linda, forte, majestosa e imponente.
Hoje estou a caminho da meia idade, meio século. Sinto-me como essa águia que precisa subir o topo do morro. Estou pronta para arrancar o bico, as garras e as penas. Não sei quanto tempo pode demorar, mas sei que estou pronta pra começar o retiro.
Hoje estou a caminho da meia idade, meio século. Sinto-me como essa águia que precisa subir o topo do morro. Estou pronta para arrancar o bico, as garras e as penas. Não sei quanto tempo pode demorar, mas sei que estou pronta pra começar o retiro.
Estou me livrando de todos os resquícios que me prendem ao passado e fechando todas as portas que ficaram esquecidas e entreabertas. Estou buscando uma nova porta, uma nova saída. Um novo começo de vida, uma nova vida. Começar do zero mesmo, sem grandes expectativas. Estou pronta.
A quem estiver curioso com a história do livro A Letra Escarlate, há nesse blog uma breve análise.
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