terça-feira, 16 de maio de 2017

Ferida Purulenta

Sabe aquela ferida que insiste em não curar? Passaram-se longos anos e a cicatriz ainda sangra, ainda incha, ainda doe? Aquela ferida que está lá dentro, que não dá pra ver, mas que você sente, dia após dia, doer cada vez mais. Aquela mágoa que você ficou remoendo, aquela angústia, aquela dúvida que permaneceu ali te fazendo pensar e pensar, insistentemente. Você não quer pensar mas aquele pensamento te persegue, te sufoca, te condena ao eterno sofrimento?

          Essa ferida purulenta está a ponto de vazar um pus fétido, de consistência densa e amarelada. A ferida está pronta pra ser apenas uma cicatriz, não vai mais doer, mas estará sempre ali para representar o que significou. Uma ferida negligenciada, escondida, neutralizada pelo tempo e pela podridão de uma moralidade doentia. Guardar a dor para não ter que por pra fora uma vida, uma história, um amor mal sucedido, um relacionamento partido. Não importa qual seja a motivação, o fato é que algumas pessoas costumam ignorar a dor e a mágoa e fingem que tudo está bem. O orgulho é maior do que a vontade de chorar, de gritar, de explodir - É sempre aquele autocontrole para manter tudo de acordo com o que se espera de uma pessoa equilibrada. Sim, mantemos o equilíbrio, agimos de acordo com as normas sociais. 
          Então, é melhor fazer tudo de modo que não sinta vergonha, que não dê vexame, não deixe os outros te olharem como se fosse um coitado. Não, não pode ter raiva, não pode se enfurecer, não pode demonstrar qualquer comportamento agressivo ou irracional. Foi ensinado que era errado por pra fora qualquer sentimento de dor ou agressividade.
          E a ferida vai se alastrando por dentro, porque, enquanto do lado externo tudo parece autocontrole, lá dentro estoura uma úlcera, explode uma dor muscular, um coração. Infelizmente, algumas dores emocionais se transformam, com o tempo, em dor física, e nem sempre são detectadas e, quando somatiza, dificilmente encontra-se a origem do estrago - muitas vezes desencadeado anos e anos lá atrás. Destrói as defesas, destrói as possibilidades de novos relacionamentos, sim, porque os traumas nos paralisam, nos bloqueiam e nos congelam.
          De repente não temos mais coragem de amar de novo porque um dia alguém nos decepcionou tanto e a tal ponto que o medo de sofrer se torna infinitamente maior que o medo de ser feliz novamente. O amor deixa de ser uma chance de recomeçar e se torna um pavor constante. A autossabotagem inconsciente destrói qualquer tentativa de sucesso.

          A dor emocional abre um buraco profundo e, quando o corpo começa a sentir os efeitos de tanto autocontrole, as doenças já se alojaram. Algumas ainda conseguem ser tratadas, porém, se não curar a fonte, tudo pode voltar ou até mesmo piorar muito. Não há escapatória. Enquanto não tratar e curar a dor emocional não haverá descanso e, possivelmente, em alguns casos vira depressão, quando não leva ao suicídio. 
          Fato é que há pessoas que resistem bravamente, superando todas as dores, ao menos aparentemente, mas, se a superação não for efetiva e verdadeira, a dor emocional pode nos derrubar e nos levar para um poço fundo, escuro e solitário. 
          Também é bem verdade que há muita gente que convive diariamente com alguém que está sofrendo calado e não consegue perceber nos olhar o que se passa - falta um mínimo de sensibilidade. Não temos tempo para olhar o outro. Estamos sempre muito ocupados, cuidando das nossas próprias vidas que nos tornamos egoístas.  Não percebemos os sinais, porque sempre existem sinais. As pessoas sempre dão pistas de que não estão bem - mas estamos presos na Matrix e não enxergamos (ou não queremos enxergar). É mais fácil fingir que está tudo bem, fingir que não vimos. Demonstrar empatia é para raros. Compaixão, então, quase inexiste. 
          E assim a vida passa, as pessoas vão e vêm, as vidas cruzam outros caminhos, as rotas são alteradas e, simplesmente aprendemos a viver com aquilo que restou. Guardamos todas as dores, mágoas e ressentimentos num baú, como se deletássemos tudo - mas não é assim, esse baú enche de feridas e, quando vaza o pus, pode ser tarde demais. Mas sempre deve haver esperança de que tudo pode ser diferente. Precisamos aprender a expurgar todo sofrimento.
          Essa ferida está pronta pra curar definitivamente. Maturou, teve o seu tempo de hibernação, agora precisa vazar. Deixe o seu organismo eliminar toda secreção que precisa ser limpa porque só depois de uma boa assepsia o corpo se recupera e estamos prontos para viver novas aventuras. As feridas nos fortalecem e nos preparam para a vida, fazem parte da vida, na verdade.
          Viver é sempre uma aventura magnífica e vale a pena toda experiência vivida, ainda que algumas tenham sido dolorosas...

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