domingo, 28 de outubro de 2018

Eu não quero morrer nem que você morra

Hoje eu só quero poder dizer que estou feliz por estar viva. Quero agradecer por ter amigos e amigas, mesmo aqueles que não pensam como eu.Lembrar que a bem pouco tempo atrás não era bem assim.
Você que nasceu depois de 1989, saiba que você não faz ideia do que era viver se você discordasse do sistema.

Hoje você se sente livre e tem a liberdade de expressar todo seu ódio. Para que você possa ter tudo isso hoje, lá atrás muita gente morreu, foi exilada ou simplesmente desapareceu.
É muito fácil hoje odiar, xingar um partido, uma pessoa, uma representação.

Saiba você que hoje, você está com todas as armas nas mãos e você pode escolher entre continuar livre pra dizer o que quiser, ou escolher a mordaça. Claro que é mais fácil escolher o desconhecido porque você, hoje, se sente seguro pra dizer o que quiser. Mas amanhã pode não ser assim.

Hoje você pode fazer a escolha a partir do ódio irracional. Amanhã poderá ser muito tarde para querer dialogar - não haverá diálogo. Ou você estará com o sistema ou será eliminado por ele.

Mas, se você quiser pensar no que vem pela frente, olhe para o passado. O Brasil é um adolescente ainda na sua democracia - ainda vai errar muito, mas não vai ser com a repressão que vamos consertar - muito ao contrário, a repressão irá alimentar o ódio, irá eliminar potenciais adversários.

Sei que ainda há aqueles que dizem que não temem o futuro. Que acham que "se não fizer nada de errado" não terão que temer.

Eu temo muito quando uma pessoa diz que um policial vai poder matar e não será punido, até porque não há maturidade psicológica e um policial pode matar um inocente e ainda assim será liberado.

Eu temo muito pelo que já estou vendo acontecer. Pessoas eliminando a tiros, a facadas adversários políticos. Isso é o princípio da barbárie.

Eu temo por todas as mulheres que são ameaçadas todos os dias por ex-companheiros porque não são maduros o bastante para aceitar o fim de um relacionamento.

Eu temo por todos as minorias que já são marginalizadas e fragilizadas porque serão os primeiros a sofrer com as consequências de uma onda de ódio indiscriminada.

Eu não quero que ninguém morra por divergência política. Não quero que meu vizinho, meu colega de trabalho ou meu inimigo seja eliminado. Eu preciso do diferente para me perceber no mundo. Eu não existo sem essa oposição. Eu só sou porque o outro também é.

A partir do momento em que eu me fecho numa bolha onde todos são iguais, eu não tenho como aprender a discordar, opinar, discutir propostas. Eu apenas aceito tudo e engulo tudo.

Eu preciso do outro para crescer. É no diálogo e na conversa respeitosa que me disponho a ouvir o outro, conhecer o outro e até mesmo ser convencida ou convencer o outro com argumentos sólidos e honestos.

Eu quero poder viver e preciso que o meu colega que pensa diferente também esteja vivo. O contrário disso é a barbárie, é a criancice. É pegar a bola e levar embora porque não sei conversar, não sei perder nem ganhar.

Estamos diante de um momento crucial e as pessoas ficam relativizando violência, tortura, feminicídio, racismo, homofobia. Não sei ao certo até que ponto as pessoas não se dão conta disso ou se na bolha delas essas notícias não chegam.

Só sei que eu não quero que você morra só porque pensa diferente de mim. Mas há um candidato que incita seus seguidores a eliminar quem pensa diferente, e já estão fazendo isso desde que o resultado do primeiro turno saiu. Estão sentindo-se autorizados a fazê-lo.

Sei que você pensa diferente de mim, mas sei também que você talvez não queira me eliminar, mas eles não querem nem saber. Você se torna responsável, ainda que indiretamente, por todas as mortes causadas pelos seguidores violentos que seguem o candidato torturador.



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