domingo, 30 de abril de 2017

A semente da discórdia

Se há um tema do qual a literatura é especialista é a dúvida. Otelo mata Desdêmona depois que Iago arquiteta um plano para destruir o casamento. Iago invejava Otelo e por isso arma uma situação, conhecendo a alma humana e sabendo que o mouro era ciumento, insinuou que Desdômona estava tendo um caso com o soldado que era o melhor amigo de Otelo.
          Machado de Assis inicia a obra Dom Casmurro quando Bentinho acaba de assistir a peça Otelo. A partir dali toda a história de Bentinho é afetada pela trama shekespeareana. A semente da discórdia já estava plantada. Toda dúvida sobre Capitu começa a envenenar nosso personagem.
          É assim na ficção, é assim na vida. basta uma pontinha de dúvida para destruir um relacionamento feliz. Uma pequena mentira contada para evitar discussões pode se transformar no motivo para a separação. Uma ida ao cinema sem contar ou uma saída com amigos sem aviso pode ser a ponta do iceberg para o fim.
          Não só nos relacionamentos amorosos encontramos a semente da discórdia. Pode ser no trabalho, motivada por inveja, por insegurança, por medo de perder um cargo. Pode ser entre amigos - ou falsos amigos, nesse caso. 
          A dúvida é sempre um vermezinho que vais comendo as entranhas. Incomoda, não deixa dormir, consome toda nossa energia. Certamente isso afeta nossa saúde e nosso dia-a-dia. Perdemos a concentração no que é necessário. Ficamos distraídos pensando naquilo ao invés de manter o foco no trabalho e nas tarefas. Por isso, quando a dúvida nos persegue fica difícil manter a máxima de que os problemas ficam da porta pra fora. Enquanto esse problema nos perseguir nosso trabalho estará em perigo. Precisamos esclarecer as dúvidas para seguir em frente, mas nem sempre é possível.
          Sabe aquela dúvida sobre estar sendo traído pelo companheiro? Então - por mais profissional que a pessoa possa ser, há um momento em que entra em colapso. Ou a pessoa enterra a dúvida e se afunda no trabalho e depois na bebida. A rotina começa a mudar. Não volta mais para casa cedo, chega só pra dormir. E, ao invés de conversar prefere fugir. Tem medo de uma verdade que pode nem mesmo existir. Mas a mente começa a acreditar e prefere viver com o medo do que saber a verdade - esquece que a verdade pode ser outra totalmente diferente, mas a dúvida ainda é melhor do que a certeza - será?
          Muitas vezes somos nós mesmos que plantamos a sementinha - um telefonema aqui, um gesto ali, um desentendimento ou um mal-entendido pode ser a fonte do sofrimento. Assim como com Bentinho - às vezes um simples capítulo de uma novela ou um filme na TV podem despertar a nossa fértil imaginação e criar uma história paralela e desconexa com a realidade. A fantasia cresce e a nossa vida se transforma numa grande agonia. Já não temos mais o controle da realidade e não sabemos mais diferenciar o real do fantástico. 
          A semente da discórdia destrói a vida de muita gente: separa casais, demite pessoas,  muda rotas e destinos. É uma praga que se espalha com uma mentira, uma pequena insinuação nada inocente, apenas intencional e venenosa, criada apenas para destruir uma vida. Como um vermezinho pode fazer tamanho estrago!

Se arrependimento matasse

Você certamente já ouviu a expressão "Se arrependimento matasse eu já estava morto há muito tempo"!, Certo? O interessante é que - brincadeiras à parte - sim, arrependimento mata. O problema é que não mata de imediato - excetuando-se alguns casos muito graves em que podem levar ao suicídio. 
          Há um tipo de suicídio silencioso que é causado pelo arrependimento velado. Há uma infinidade de pessoas que preferem não admitir algum tipo de arrependimento e aos poucos vão se sabotando na vida. Essas pessoas podem não ter elaborado muito bem um arrependimento e, somando-se a isso aquele orgulho de não admitir que se arrependeu. Infelizmente muitas famílias criam os filhos com tamanho rigor que faz com que as pessoas criem uma capa de proteção chamada de orgulho.
          Não quero ser superficial nem rasa, apenas aprendi com a vida, a perceber as pessoas e sempre procurei ser uma ouvinte atenciosa. Algumas pessoas guardam mágoa e dor de outras pessoas, mas a maior mágoa que existe é a mágoa para com elas mesmas. Essas pessoas costumam se punir inconscientemente de várias maneiras. Umas acabam se tornando usuárias de drogas, alcoolistas. Outras, imperceptivelmente sabotam seus relacionamentos. Parece que quando tudo está indo muito bem acabam dando um jeito de destruir a relação - é como se não se sentissem merecedoras da felicidade. Tão logo tudo parece estar ficando muito bom surge um impulso que leva a pessoa a implodir tudo. O sensor, o superego dá um jeito de acabar com o ego.
          Se você já sentiu-se assim ou conhece pessoas assim certamente pode ter notado o quanto essa pessoa precisa de ajuda. E não só de ajuda de amigos - precisa de ajuda especializada, psicológica e quem sabe até mesmo psiquiátrica. Muitas vezes o tratamento pode salvar a vida dessa pessoa. Há casos de depressão que causam obesidade e não adianta só fazer dieta e tratamento para emagrecer. Precisa curar aquilo que afeta profundamente - e pode ser uma depressão causada por um arrependimento silencioso e que, muitas vezes nem mesmo a pessoa havia se dado conta de que existia.
          Por isso, uma das primeiras atitudes a ser tomada é admitir pra si mesmo que se arrepende. Não precisa publicizar, não precisa por no jornal, não precisa contar pra ninguém - só admitir já alivia aquela tensão acumulada. E, se sentir que é preciso contar pra alguém, procure alguém que não faça julgamentos, que não condene. Melhor mesmo é escrever e guardar ou, se preferir, jogar fora. Se for católico, pode se confessar - essa é uma das formas mais curativas que existe. Se não quiser falar com um padre conhecido, procure um estranho - falar é restaurador e tira o peso das costas. 
          O fato é que, o arrependimento pode sim matar, pode adoecer, pode entristecer. Uma pessoa pode se transformar, definhar. É parte do cuidado humano saber enxergar as pessoas para além do que é aparente. É muito fácil julgar alguém que é (está) amargurada, difícil é se interessar e procurar compreender a raiz da amargura. A escuta pode mudar o julgamento e pode ajudar no processo de cura. Porém, se não for capaz de escutar sem julgar é melhor nem ouvir.
          Quando alguém está arrependido de alguma coisa, possivelmente vai dar pistas, sinais. Vai tentar pedir socorro de formas diferentes. Claro que não são sinais explícitos, até porque são, na maioria dos casos são inconscientes. A pessoa deixa pistas. Conta histórias, fala de outras pessoas, tenta abordar o assunto ou fugir dele, conforme vai sentindo que afeta seus sentimentos. Guarde bem isso - arrependimento pode matar silenciosamente, sim.


A ferrugem "daquilo que poderia ter sido e não foi"

Deixe para traz todas aquelas ideias que te perseguem fazendo você pensar "naquilo que teria sido se..." Acredite, o que teria sido não existe, e, ainda que pudesse existir, haveria uma miríade de possibilidades infinitas tanto quanto as análises combinatórias e outras expressões matemáticas poderiam equacionar.
          A vida é o aqui e o agora. Não vale a pena ficar vivendo com a perspectiva em flashbacks tentando imaginar o que não aconteceu. Pense nas escolhas que você tem daqui para frente. Pense antes sabendo que aquilo que vai ficar para traz não volta. Não decida nada querendo uma chance de fazer o retorno na próxima estrada, porque quando você fez a sua escolha a estrada também mudou.
          Esse pensamento que te persegue é como uma ferrugem que te corroe lentamente, só que por dentro. Ela dilacera aos poucos seus órgãos e você não percebe muito cedo. Na verdade, esse pensamento te paralisa e te impede de andar de cabeça erguida e de seguir em frente com orgulho e confiança.
          Uma vez tomada a decisão, quando medida e bem pensada, você pode apenas supor algumas possíveis situações e, se quiser, pode escolher o que será menos doloroso, o que será mais lucrativo, o que será mais vantajoso, o que será mais seguro. Porém, são apenas previsões muito simplistas, você de fato nunca saberá o que teria sido. 
          Se você escolheu casar com o primeiro namorado, se você decidiu se separar, se você optou por estudar Letras e não Farmácia, whatever - não importa, não adianta ficar se lamuriando pelo que deixou de fazer. Existe um mar de possibilidades tantas quantas de estrelas no céu ou gotas no oceano. Não vale a pena se martirizar tanto. Essa cobrança está na sua cabeça querendo te culpar de coisas que nem sempre foram sua culpa. Você não precisa sofrer tanto assim. Viva com o que você tem agora.
          O mundo dá voltas, é bem verdade, mas não tente reconstruir o que não foi no agora porque você estará cometendo um desastre quando não um suicídio. Pense que pessoas nasceram e morreram depois disso tudo. Pessoas se conheceram e se casaram e tiveram filhos. Não é nada produtivo nem assertivo voltar no tempo como se essas novas realidades inexistissem. 
          Não procure aquele ex-namorado ou namorada de vinte anos, acredite, a vida deles andou e eles fizeram outras escolhas, trilharam novos caminhos. Interferir no agora pode ser o caos na sua vida e na vida deles também. Deixe tudo como está. A vida se encarrega de corrigir o curso do rio. Não tente fazer por você mesmo.
          Se você tem filhos, tente ensiná-los a não se arrepender de suas escolhas. Ajude-os a pensar bem antes de decidir. E, não condene ninguém por ter escolhido fugir com o primeiro namorado porque estava apaixonada, por ter feito um aborto, por ter abandonado os estudos para casar. Mais do que tudo, as pessoas precisam se sentir acolhidas em suas decisões, mesmo que elas possam se arrepender delas, ficar culpando não ajuda, só piora.
          Há pessoas que adoecem por dentro por culpa. Segredos escondidos e guardados a sete chaves. A vergonha, o medo do julgamento, a falta de perdão (muitas vezes de auto perdão), pode matar as pessoas. Essa morte não é uma morte súbita, é uma morte lenta, uma morte amarga, uma morte dolorosa. A culpa é um veneno poderoso e sutil que entra na corrente sanguínea imperceptivelmente e vai destruindo todos as células de defesa. Há pessoas que têm câncer causado por mágoas e ressentimentos. Pessoas que externamente são calmas, prestativas, educadas e gentis. Por dentro são uma panela de pressão prontas para explodir, mas têm um autocontrole porque aprenderam que precisam ser sempre bondosas e generosas. Pessoas religiosas são as que mais sofrem porque aprendem que devem conter os sentimentos de raiva de angústia.
          Aprenda desde cedo que o corpo cobra por isso. Você guarda dentro de si e depois isso tudo se transforma em doenças. Ame e perdoe sempre, perdoe de verdade. Perdoar é de fato não mais cobrar por aquilo, não é esquecer. O perdão vem do coração, o lembrar da memória, são duas coisas diferentes. Você vai sempre se lembrar do que aconteceu, mas a partir do momento em que você perdoou você não pode mais se sentir afetado. Sim, porque o que fere é o afeto. O afeto doe, machuca. O perdão cura a ferida, mas a cicatriz permanece. E, quando você olha para a cicatriz você lembra do que aconteceu, mas não doe mais.


          Ame-se, perdoe-se, siga seu curso. Permita-se viver e ser feliz, escolha isso hoje, escolha isso agora, escolha isso já!