Depois de um dia de fortes emoções e de uma noite de ressignificação do passado, acordei cansada pela descarga emocional e pelo esforço mental a ponto de desencadear uma crise miastênica daquelas que a muitos anos não experimentava.
Sei que ainda vai levar um tempo até que me recupere satisfatoriamente, mas já tenho uma certeza, ficarei bem. Descobri que sou capaz de suportar muita coisa sim. Tenho a força para carregar o mundo nas costas. Apesar de sempre ficar furiosa quando as pessoas me dizem que eu sou forte e que eu aguento tudo, devo admitir que sim, sou capaz de suportar fortes pressões e temperaturas e me regenerar.
É difícil conter em um texto toda sensação de dor e toda emoção que uma pessoa consegue suportar porque algumas coisas são inefáveis e qualquer palavra seria incapaz de reproduzir um décimo de tudo isso. Se fomos capazes de sobreviver a tantas adversidades foi porque fomos capaz de experimentar empiricamente muitas realidades que nos fortaleceram o corpo, a mente e o caráter.
Por isso sou fã incondicional de Aristóteles. Para mim ele sempre soube responder aos nossos questionamentos sobre tantas coisas. As virtudes, a justiça, a equidade. Tudo em Aristóteles me ensina. Descobri, inclusive, que o nome dele vem de aristós que significa excelência, o melhor, o ótimo.
Há alguns anos venho desenvolvendo uma nova categoria de amor a qual denominei aristós. Seria uma forma de amor superior em que a principal diferença entre a trilogia eros, philia e ágape está para além das formas antropológicas de amar, isso porque inaugura uma categoria de amor na qual busco eliminar o especismo antropológico reconhecendo que pode haver uma forma de amor que transcende a visão que coloca o ser humano no centro, ou mesmo como único ser capaz de sentir e transmitir esse sublime sentimento.
Aristós é amor pelo animal, pela natureza e pelo cosmos como um todo e também uma forma de perceber que outros seres podem demonstrar amor, seja na relação com nós, humanos, seja entre outros animais. Um amor gratuito e sem interesse pessoal. Difícil de medir porque estamos acostumados a viver num mundo em que o humano ainda quer dominar tudo, uns inclusive querem dominar outros humanos pela opressão e pela ganância. Nesse mundo, animais são apenas mais um objeto de exploração que vivem para servir aos interesses egoístas de humanos que ainda se consideram superior.
Nisso, as religiões tiveram uma contribuição bastante significativa, especialmente as derivadas do monoteísmo porque o mito da criação foi apresentado de modo que se acreditasse que tudo que existe e foi criado foi para servir ao humano. Uma tradução equivocada do mito levou algumas pessoas a disseminarem a ideia de que o humano deveria dominar tudo na natureza. Tudo estaria a seu dispor.
As nações indígenas têm muito a ensinar sobre o respeito ao ecossistema e uso consciente e adequado da coleta e da caça. Há muito respeito e veneração a tudo que é vivo. Os indígenas fazem seus rituais simbólicos e só fazem uso daquilo que de fato os alimenta e os sustenta. Não há interesse em explorar apenas pela ganância como acontece com a "civilização" ocidental. É interessante observar que na etimologia da palavra "civilizado" depreendemos que seja derivado de civil. Costuma-se utilizar "selvagem" em oposição ao civil como se ser civilização fosse uma conotação positiva e selvagem negativa.
No conceito de aristós selvagem tem a conotação daquilo que é da selva e que, portanto, deriva da natureza - e a natureza é boa em si. Quando o humano interfere e desestabiliza a natureza, cortando árvores e destruindo florestas, eliminando ou explorando desmesuradamente tudo, um dia a natureza procura restabelecer o equilíbrio e, por isso vemos tsunamis, tempestades, tormentas, desequilíbrio climático e aquecimento global. Tudo é para restaurar o estrago que o humano faz por que acredita, ainda, que tem que dominar a natureza.
Essa nova categoria de amor é um resgate ao amor pela vida, toda forma de vida.